Muito tem se falado de que o Brasil está passando por uma crise econômica. Isto realmente é verdade, não há como negar. Nota-se claramente que as empresas estão reduzindo investimentos, os índices de inflação estão subindo juntamente com as taxas de juros, e em consequência, o crédito reduziu-se, tanto para a população e como para as empresas. A economia brasileira, na totalidade, está sofrendo um período de dificuldades e as pessoas e empresas temem não conseguir cumprir suas obrigações. Organizações que antes nunca passaram por este tipo de dificuldade enfrentam agora uma situação que assusta e estão recorrendo aos parceiros bancários para sobreviver – é a primeira alternativa que lhes surge. Mas isto só não basta. Em tempos de crise, a capacidade gerencial dos gerentes financeiros é fortemente testada e, dentre outras atividades, a eficaz e aprimorada gestão de caixa se destaca. É através dela que se torna possível ajustar as contas que já estavam comprometidas com os negócios passados e dar correto destino às receitas que futuramente se efetivarão, provavelmente, de forma reduzida e fora do prazo acordado. Antes falarmos sobre fluxo de caixa, lembramos que esta ferramenta é usual para o gerente financeiro e origina-se e desenvolve-se com base no plano de contas gerencial, assunto que fora tratado anteriormente em outro artigo. Vejam então, que fica totalmente vinculado, em se tratando deste tipo de demonstração gerencial, que o plano de contas esteja implantado e utilizado para classificar todas as contas e receitas da empresa. Mas por que esta classificação é tão importante? Eis primeira dica... Classifique gerencialmente suas receitas e despesas. O gerente financeiro tem que saber claramente como se estrutura as exigências de caixa. Quais são os tipos de desencaixes e suas exigências de montante e tempo, além de perceber quais são aqueles que podem ser postergados sem prejudicar as operações. Em relação aos recebimentos, deve ter visão ampla de quais poderão ser antecipados. Aliás, em se tratando das vendas, deve considerar que um montante maior do que o habitual poderá não ser recebido e, com provisionamento, exigir um suprimento de caixa extraordinário. As contas organizadas facilitam a realização deste trabalho, pois, ordenadas por grau de importância, é possível distinguir uma das outras e analisá-las criticamente. Busque parceiros financeiros antes de precisar dos recursos. Percebendo-se que haverá necessidade de empréstimos para suprir o caixa, deve-se buscar parceiros antes da efetiva necessidade. Os bancos e demais financeiras levam certo tempo em análises de documentação e cadastro, pesquisa de crédito, definição de modalidades, autorizações de alçadas e outros procedimentos operacionais para conceder empréstimos. Em alguns casos, isto pode levar dias, talvez semanas, por isso realize os contatos e procedimentos com antecedência. Entenda que, em se tratando de empresas, se o gerente financeiro bater à porta de um banco solicitando empréstimos para o mesmo dia, quase sempre, receberá uma resposta negativa. Mantenha a documentação e dívidas bancárias em dia. Esta dica baseia-se em duas premissas: a primeira é que o fato de manter sua documentação atualizada demonstra ao parceiro a sua preocupação em estar atuante no mercado, fornecendo as informações que sempre são solicitadas comercialmente, tais como balanços, certidões negativas, garantias, etc. A segunda premissa é essencial: para buscar-se novos recursos é necessário que os anteriores tenham sido quitados. Não havendo quitação, a ação correta é a renegociação, jamais a inadimplência. Vejam que as duas dicas anteriores dizem respeito a situações emergenciais de recursos e que por isso envolvem bancos e financeiras. Os compromissos de despesas e a expectativa de receita já estão previstos e os parceiros financeiros são os socorristas imediatos, mas, operacionalmente, algumas ações também devem ocorrer. Cabe ao gerente financeiro e seu setor executar outras medidas visando sanar os déficits de caixa. Crédito difícil para nós corresponde a crédito difícil para todos. Quando há restrição de crédito, os recursos que são recebidos pelos parceiros financeiros são onerosos. Em caso de inadimplência dos clientes, esta oneração pode aumentar, pois não havendo recursos para o pagamento de empréstimos, multas e juros castigarão o caixa. Por isto, as vendas a prazo devem ter uma análise de crédito mais aguçada que de costume e os clientes serem classificados em níveis de risco, capacidade de pagamento e prazo máximo de financiamento. É preciso reduzir a incerteza em relação ao recebimento das vendas. Cabe ao gestor financeiro tomar conta do processo de análise de crédito das vendas, visto que acarretará num conflito com o setor comercial que, também buscando soluções para queda nas vendas, tentará facilitar o processo, em sentido inverso ao do financeiro, que busca a efetivação da receita. Atenção! Este momento é considerado bastante delicado na organização e deve ser bem gerenciado. Um eventual atraso no recebimento nas vendas não será necessariamente ruim. Quando há um efetivo gerenciamento do fluxo de caixa, é aguardado que um patamar aceitável de recebíveis não sejam efetivados no prazo acordado, especialmente daqueles clientes classificados como pagadores intempestivos (que pagam, mas com atraso) Nesta situação, presume-se que o cliente arcará com os encargos de multas e juros de mora, que são maiores – de três a quatro vezes – do que o praticado para encargos financeiros rotineiros. Um bom gerente se previne desta situação e busca ter em mãos uma linha de crédito bancário emergencial de curto prazo assegurada a fim de suprir um eventual saldo livre negativo de caixa, e também (por que não?), obter certo ganho nesta operação. Em relação aos desencaixes, negocie tudo o que for possível, mas com cuidado. Este item pode ser considerado de elevada dificuldade de execução. Os desencaixes que se apresentam no fluxo de caixa são originários de negociações de diversos setores e envolvem negociações comerciais, sendo algumas de cunho estratégico. Solicitar que sejam alterados os prazos ou os valores de pagamentos pode gerar um forte desconforto entre as partes negociantes. Esta ação, inclusive, pode comprometer negociações futuras da organização e se mal conduzida pode atingir fortemente a operação. Entende-se que, uma vez comprometido o desencaixe, é obrigação do setor financeiro obter os meios e recursos necessários para realizá-lo. Isto faz parte das suas atribuições do setor, e deixar de cumprir a obrigação é indesejável. Por isso, renegociações de pagamentos já agendados é a última das alternativas a serem utilizadas e, sendo inevitáveis, sugerimos que os gerentes de cada área as façam com os seus contatos comerciais, sob o indireto envolvimento do setor financeiro. Tenha maior atenção ao ciclo financeiro do negócio. Esta dica é técnica e aqueles que não têm familiaridade com os conceitos de ciclo financeiro terão certa dificuldade em entendê-la. Para facilitar, de forma sucinta, esclarecemos que o ciclo financeiro é um quantitativo em dias, resultado de uma equação que envolve o prazo médio de recebimento das vendas, acrescido do prazo médio de estoque, menos o prazo médio de pagamento dos fornecedores. Na literatura é apresentado pela fórmula CF = PMC + PME – PMF.
Quanto menor o ciclo financeiro maior o giro de recursos dentro da empresa (isto é bom), mas, estando positivo, representa que a empresa precisa adiantar recursos para manter-se (isto não é bom). Perdurando esta situação por muito tempo, logo os recursos se esgotarão. Para evitar o descompasso no ciclo financeiro, eis algumas ações corretivas, em sequência:
Calcule e encontre os prazos de estoques, fornecedores e clientes condizentes com o seu negócio. Revise-os periodicamente e configure seu software ERP para trabalhar monitorando e garantindo que estes prazos sejam cumpridos;
Negocie prazos maiores com os fornecedores. Tente, mesmo que sejam poucos dias no início, visando ajustar o fluxo de caixa, mas busque, mesmo que com custo financeiro de mercado, obter um prazo mais condizente com o seu ciclo;
Monitore os produtos com baixa rotatividade e tome ações para promover o seu giro. Avalie constantemente há quantos dias um produto está em estoque e, ultrapassando o prazo máximo, coloque-o imediatamente em promoção. Nesta situação, o giro será mais importante que um possível lucro que demora a se concretizar;
Pratique descontos à vista aos clientes e proponha prazos menores para recebimento. Isto é realmente complicado de se propor em tempos de crise, pois o cliente estará buscando exatamente o contrário, mas procure, sempre que possível, reduzir os prazos até o ideal do seu ciclo. Não sendo possível a redução direta cogite alternativas, tais como um fornecedor que seja patrocinador do prazo, ou adiantamentos de recebíveis, por exemplo;
A última dica é bastante óbvia: reduza despesas. Como? Sabemos, não há regra definida, pois cada empresa possui sua matriz de despesas, e em momento de crise cortará aquilo que considerará supérfluo ou simplesmente desnecessário ao seu momento. Sugerimos que pratique a análise periódica de cada despesa, baseada na classificação que lhe foi atribuída, sempre indagando a sua utilidade. Lembre-se, no entanto, que algumas são inevitáveis e, ao eliminá-las, o ambiente de trabalho poderá se tornar insuportável. Concluímos, enfatizando que estas são apenas algumas medidas que podem ser tomadas em períodos de crise financeira dentro de um ambiente empresarial. O propósito do artigo é o de fazer uma pequena lista de ações dentre as diversas que são possíveis em um cenário de sobrevivência. Algumas destas ações serão aplicáveis à realidade da maioria das empresas brasileiras, outras, em razão da complexidade e estratégia, podem ser descartadas sem receio, porém não deixe de agir. As crises financeiras se agravam com estagnação e não se resolvem com indiferença. Por razões didáticas, evitamos falar de medidas mais complexas, tais como reversão de investimentos, por exemplo. Nosso propósito é facilitar, não complicar. O mais importante de tudo é ajudarmos as empresas a transpor suas dificuldades momentâneas e a se manterem ativas no mercado, mesmo que isto implique em reinventar suas atividades e rever os seus paradigmas financeiros. Esperamos realmente tê-las ajudado. Bons negócios a todos!
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